domingo, 16 de maio de 2010

Castelo

Ela suspirou e sentou sozinha a mesa pronta para encará-los.
Já fazia um bom tempo desde a última vez que se deparou com eles e achava que já estivesse forte o suficiente para não precisar fazer mais isso.
E eles foram chegando, um a um. Alguns conseguiram sentar, outros ficaram de pé e outros ficaram em cima de outros, quando por fim o ultimo se acomodou espremidinho, a sala estava cheia.
Todos contra ela e ela sozinha.
Quiseram acusá-la ao mesmo tempo, mas ela não ouviu nada, só via a movimentação frenética mas não havia som, os mais nervosos a cutucavam tentando lhe chamar a atenção e ela via apenas o vulto gesticulando e as bocas mexendo sem parar só que mesmo assim não entendia. Pensou que estivesse surda, inutilmente fez movimentos e gestos, mas nenhum deles queria ouvi-la, só falavam.

"Inércia"

A única coisa que ouviu. Tentou procurar entre todos quem conseguia falar ou quem ela conseguia ouvir, mas os rostos estavam mais agressivos, o que antes eram cutucões viraram puxões.
Seus olhos esquadrilhavam o lugar ate que observou um deles. Era menor, parecia ser bem mais novo que os outros. Estava sentado em uma cadeira, seus pés não alcançavam o chão e por isso ele os balançava enquanto observava o ritmo dos seus cadarços. Tirou os olhos dos pés e a encarou.
Olho no olho.

"Inércia. É esse o seu medo"

Todos os outros sumiram e na sala apenas restaram ela e aquele jovem e não conhecido fantasma.

"Não uma situação de inércia que você teme. Você é batalhadora. Corre por todos os lados quando quer, abraça o mundo e um pouco mais, as vezes corre mais do que deveria ou ate precisaria. É uma lutadora, por isso não é dessa inércia que tem medo. Você tem medo da calma ai dentro" Tocou no peito da garota, no lugar do coração, e o frio tomou conta do corpo dela todo."é esse frio que você teme. Você não se apegava a ninguém e morre de medo de voltar a ser assim. Sua indiferença sempre foi o seu grande trunfo para encarar o mundo mas agora se tornou seu maior defeito. Você vê o mundo se fechar e apesar de ser confortável sabe que sentirá saudades do sol”
Ela deu uns passos para trás como se não acreditasse em uma palavra daquilo
“E não adianta essa cara de indignada. Você sabe muito bem que estou certo. Anda evitando pessoas com quem pode ser você mesma, prefere a companhia de todos que aceitam sua “máscara do dia”.
A garota recuou tentando fugir daquela realidade. Tentou gritar blasfêmias, tentou negar todas aquelas palavras, mas não saiu voz. Ela não podia negar aquilo, não ali. Não podia negar porque seria uma mentira e uma vez fez um acordo, com esses mesmos fantasmas, que seria sincera ao menos naquele lugar.
O jovem a circundou com um sorriso de deboche. “eu te disse. Você sabe que é esse seu medo. E deve ate saber como lutar contra isso, só que não quer"
"Eu quero, só não sei" A voz saiu rouca e arranhou sua garganta.
"Não sabe mesmo? Tem certeza? Que tal parar de fugir de quem quer te ajudar? Que tal abrir a sua alma a quem se mostra receptivo a recebê-la? Você esta sendo covarde e o pior, sendo NOVAMENTE covarde!"
A garota abaixou os olhos
"Só porque se machucou acha que agora é melhor se fechar? Quantas e quantas pessoas já sofreram? E ainda vivem e ainda se entregam e ainda são transparentes. Você está regredindo e sabe disso. Pare de tentar ser super, pare de tentar só pisar em terreno firme e novamente se abra. O céu é mais brilhante desse lado e você sabe disso.” O jovem afagou a cabeça da moça. "Tenha coragem, ao menos dessa vez."

A garota continuou estática, de cabeça baixa e agora com um buraco no lugar do coração.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

~ Inverno ~

"Waitin', watchin' the clock, it's four o'clock, it's got to stop
Tell him, take no more, she practices her speech
As he opens the door, she rolls over..
pretends to sleep as he looks her over.."
Better Man - Pearl Jam


Era tarde da noite quando ele entrou. Entre tropeços, xingamentos abafados e risadas solitárias. Tentou não acordá-la enquanto entrava na cama, mas era desnecessário já que ela não havia pregado o olho. O vento gelado que se escondeu embaixo das cobertas enquanto ele entrava fez o corpo dela tremer espontaneamente, algo que ele notaria se não estivesse tão alto.
Não encostou seu corpo no dela, não por preocupação e sim por falta de vontade e ela se sentiu aliviada quando ele virou para o outro lado.
Ela não quis lhe perguntar nada, preferiu fingir que dormia e evitar mais uma briga e ele preferia chegar em casa depois que ela já estivesse dormido para não encarar mais uma discussão.
Ele se enchia de álcool e ela de remédio.
Para ela, a carência era ignorada com trabalho, chocolate e monografia e ele só se sentia realizado entre as pernas de outra.

Em poucos minutos ele já estava dormindo e ela continuava acordada.